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TEATRO NARRADO

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Mensagem por Admin Dom Fev 18, 2024 6:49 am

TEATRO NARRADO

 Episódio de hoje

“...PARA SEMPRE”

 Autor: José Luiz Negreiros

Obra escrita em 25/11/1980, atualizada.



 
ATO I

Naquela tarde de outono, o clima não era o apropriado para se planejar algum programa de lazer, ainda que fosse sábado. Havia possibilidades de chuva, mas a temperatura baixa e o aspecto gris do céu tirariam toda vontade de fazer um programa. Era o típico dia para ficar em casa, curtindo a família, comendo pipoca e tomando chocolate quente. A melhor alternativa seria essa e não se aventurar a investidas a qualquer canto da cidade. Provavelmente, os comerciantes e os empresários prestadores de serviços não teriam, naquele sábado, um dia bom para seus objetivos de vendas e faturamento.


 Porém, na Igreja da Sagrada Conceição, aliás bela e bem conservada Igreja da Conceição, estava tudo organizado e previsto para um ofício religioso. Observando do lado de fora, percebi um clima desalentador, nada adequado para se oficiar qualquer cerimônia que fosse. A imagem imponente da Casa Católica, ante a cinzenta e nebulosa tarde de sábado, aliada a ventos frios e cortantes, mais lembrava um abandonado castelo da Idade Média, após um levante de uma tropa inimiga. O ambiente era constrangedor, previamente programado pela Casa Paroquial. Casa Católica, ante a cinzenta e nebulosa tarde de sábado, aliada a ventos frios e cortantes, mais lembrava um castelo da Idade Média. O ambiente era constrangedor, previamente programado pela Casa Paroquial.


Adentrei, pois, aos interiores da Casa de Deus. Observei, na assistência, um aspecto curioso no que diz respeito aos fiéis, os quais compareceram para presenciar o ato religioso. Nos bancos à esquerda, todas as pessoas trajavam vestimentas da cor vermelha, meio camufladas por tom violeta, ao passo que nos bancos à direita, as outras pessoas trajavam também umas roupas de uma única cor, no caso um cinza escuro. Não somente as cores pareciam distinguir, nitidamente, diferenças entre as pessoas. Não havia a menor comunicação entre os dois grupos. Os matizes distintos provavelmente seriam uma espécie de código para atestar a divisão entre os dois lados. Naqueles grupos haviam velhos, pessoas de idade mediana, jovens e crianças. Presenciava-se um absoluto e desagradável. Subjetivamente, nota-se um clima de inquietação e revolta na atmosfera. A situação mudou um pouco, quando o organista da igreja executou algumas canções suaves, mas noto, nessas também, indícios fortes de repulsa e reprovação. Algumas flores alvas diminuem um pouco esse aspecto desagradável, compensando a iluminação talvez fraca para a ocasião.



ATO II

 No altar, surge o sacerdote. Trajando uma vestimenta de tom amarronzado e portando luvas do mesmo matiz. Auxiliado pelo coroinha, acende ao fundo, próximo à sacristia, uma pequena lareira, que rapidamente crepita a madeira embebida, há pouco, de álcool.



 A assistência se levantou. O sacerdote dirigiu seu olhar em direção ao casal, que surgiu no portão de entrada do templo. O órgão entoou, naquele momento, uma canção mais veemente, mais rude e tristemente desoladora. O homem vestia uma roupa cinza escuro, com ar resignado, misto de revolta e desconsolo. Enquanto sua companheira, de vestido vermelho quase violeta, portando um ramalhete de flores artificiais, de cor cinza escuro, seguiu igreja adentro, exteriorizando uma expressão de rudeza e contragosto. Assim caminharam juntos em direção ao altar, sob os olhares dos seus convidados no mais absoluto silêncio, silêncio esse quebrado por uma música flagrantemente fúnebre. Chegaram ao altar, respeitosamente se ajoelharam, ante a presença do sacerdote e da imagem do Cristo crucificado. Dali, aguardavam o início da cerimônia, presidida pelo ministro de Deus.



- Meus filhos. Minhas senhoras e meus senhores, todos aqui presentes. Em nome do Pai, do Filho e Espírito Santo. Quis a vida reservar a mim, como sacerdote do Pai Universal, esta nefasta missão de inaugurar, em nossa comunidade, a dura missão de realizar, na história de nossa igreja, um capítulo triste e amargo, que fere todos os ensinamentos de Cristo. Assim quiseram, porém, os homens. E a Igreja, representando o desejo de nosso Pai Todo Poderoso, propiciou aos seus filhos o direito de satisfazerem seus desejos. Portanto, a Igreja atende de forma oficial o ofício religioso, que atesta para o universo do Senhor a dissolução desse matrimônio. Nós, que somos e pensamos na tradição dos sacramentos da Igreja, com muito pesar no coração, atendemos a decisão da Santa Sé, a qual reconheceu, por ato religioso, a separação de um casal. Os tempos estão mudando drasticamente, a ponto de nossa milenar Igreja ter que se amoldar à nova realidade dos costumes, para não se ver desintegrada por completo ao seio da sociedade. É altamente doloroso para nós, sacerdotes, ter que realizar essa cerimônia, mesmo porque isto contraria plenamente nossos princípios, oriundos da palavra de Deus. É importante que este casal, Aluísio e Adriana, saibam de nossa reprovação e desagrado por esta deplorável decisão perante nossa Igreja. Estamos profundamente chocados com estas criaturas e vivemos, aqui, um momento de imensa repulsa e desolação, pela atitude dessas infelizes e pervertidas ovelhas, que se desgarram, hoje, de Nosso Senhor.


- Senhor Aluísio, perante esta assistência e perante ao nosso Pai, é de sua consciência e vontade, a decisão de abandonar sua esposa, dona Adriana, privando-a de seu amor, de seu carinho, de sua proteção e de sua solidariedade?

- É o que desejo, senhor sacerdote.

- Senhora Adriana, é de sua consciência e vontade, perante todos e ao nosso Pai, a decisão de abandonar seu esposo, senhor Aluísio, privando-o de seu amor, de seu carinho, de sua proteção e de sua solidariedade?

- É o que desejo, senhor sacerdote.

- Pois bem, este é o vosso desejo, aqui declarado. Por favor, deem-me suas sagradas alianças de matrimônio.

Os descasados colocaram suas alianças na mão direita do sacerdote, que, num gesto de reprovação e severidade, atirou-as bruscamente na lareira, que as derreteu em poucos minutos. Ao fundo se ouviu o coro cantando. “Decepção em nosso coração, decepção pela desunião, decepção espalhada nesse chão, contaminando nossa nação…”

O sacerdote proferiu as palavras finais do ato que vai terminar.

Rezemos a Deus, nosso Pai, na esperança de que reste alguma luz, para diminuir a escuridão das almas dessas criaturas. Apesar de tudo, que essas pessoas encontrem a paz no senhor. A nós não resta mais nada, a não ser o reconhecimento de vossa separação. Que Deus tenha infinita piedade de vós. Em nome, do Pai, Do Filho e do Espírito Santo, amém.


ATO III


 Adriana foi a primeira a deixar a Igreja da Conceição. Logo em seguida, seguiram seus parentes. Os parentes de Aluísio também abandonaram lenta e silenciosamente o local. O coro ainda entoava o “Canto da Decepção”. Aluísio foi o último a caminhar em direção ao majestoso portão do templo. A impressão deixada ali era de profunda tristeza, mesclada de algum alívio.

Do lado de fora, na praça, um bonito carro esporte conversível estava estacionado, já com o motor ligado, possivelmente aguardando alguém que havia participado do evento. Quando Adriana notou a presença daquele automóvel encostado adiante, ela saiu loucamente ao encontro do motorista do carro, um jovem simpático, vestido com moderna roupa esporte. Alucinada, ela pulou a porta do veículo e deu-se em beijos e abraços ao seu par, sob olhares satisfeitos de seus parentes e de um aparente desprezo por parte dos familiares de seu ex-marido. Rapidamente, o carro saiu em disparada, levando o casal não sei para onde.

Em pouco tempo, todos já pareciam ter feito o mesmo. Mas restava alguém no local. Junto a uma das pilastras do templo, próximo às escadarias, ali estava Aluísio. Talvez ele estava pensando que estivesse num sonho estranho. Ele permanecia imóvel como que hipnotizado. Então, como tudo terminara há pouco, ele refletia a dimensão de sua atitude ou avaliando o comportamento absurdo e leviano de sua ex-esposa.


Assim terminou a tarde fria de outubro. Nos portões da igreja, um ser solitário, aparentemente abandonado até por Deus, ele somava suas angústias e decepções. Um homem que negou e lhe teve negado o amor. Um homem só. Um homem que, naquele momento, não sabendo explicar para si a razão de tudo que passou, derramou no solo do mundo lágrimas sentidas.


ATO FINAL

Cerca de uma hora depois do evento na igreja, Aluísio estava tomando banho, quando ouviu alguém batendo com força na porta do banheiro. Aluísio abriu a porta para seu pai, que, muito chocado ouviu a notícia transmitida pela emissora de rádio. Um casal teve seu automóvel desgovernado, pela alta velocidade. O veículo capotou. Nele, estavam Adriana e seu companheiro.

Ambos faleceram no local do acidente.


"PARA SEMPRE"  tem sua versão narrada pelo autor.
A versão falada está no Youtube, no endereço abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=rBycmndhPbQ&t=87

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